Sérgio Papellin, 60, teve momentos distintos a serviço do Leão. No primeiro deles, no período de 2004 a 2007, participou do acesso à 1ª divisão e um tricampeonato estadual. Em um segundo momento, em 2009 e 2010, apesar da conquista do Cearense 2009 e do tetracampeonato estadual em 2010, caiu com a equipe para a 3ª divisão e também não obteve sucesso na primeira temporada do clube na Série C. Na sua terceira passagem, o iguatuense foi uma das peças importantes no renascimento da equipe no cenário nacional assumindo a gerência de futebol do Leão do Pici. Em entrevista exclusiva ao A Praça, ele detalha sua história de 07 anos com o clube e sua relação com o município que carrega no coração.
Thiedo Henrique (Jornal A Praça)
A Praça - Na entrevista de apresentação como executivo de futebol do Fortaleza, você chamou a atenção pela confiança e sinceridade, afirmando com uso de um palavrão que o time não ‘morreria’ na série C. Que clima você encontrou em seu retorno ao Leão em 2017 e como foi conviver com o sofrimento daquela divisão do futebol?
Sérgio Papellin - Já era a quinta vez que o Fortaleza me procurava para voltar, eu nunca tinha aceitado esse retorno porque achava que não era o momento. O Fortaleza era um clube muito dividido politicamente, ninguém conseguia agregar. A vaidade pessoal era acima do amor pelo clube. Eu estava no Cuiabá, do Mato Grosso, ano passado recebi a proposta para voltar, senti que o trabalho seria diferenciado. Quando cheguei, sabia que o momento era difícil, era uma loucura do pessoal para poder subir o Fortaleza de volta para série B. A gente não pode nem criticar porque só quem está dentro do futebol, sabe. Passar 8 anos na série C, com a pressão de uma nação, você termina sendo um pouco irresponsável na lei do limite que o clube pode arcar. A folha do time era de R$ 880 mil, com 13º e três meses de salário atrasados, orçamento que time que disputa para subir a série A não gasta. Conseguimos equilibrar as contas, diminuímos a folha em R$ 350 mil para colocar tudo em dia. Mesmo como muita gente torcendo contra, o acesso veio ano passado e essa organização proporcionou ao Fortaleza ter um centenário como esse em 2018. Eu tinha tanta certeza que conseguiria ajudar a subir o Fortaleza que passei a ganhar R$ 10 mil a menos, acreditando que a compensação financeira viria mais à frente.
A Praça - O Fortaleza voltou à série B, para muitos, não possuindo o melhor do seu elenco dos últimos 8 anos. Como um time sem badalação conseguiu confirmar sua a volta à segunda divisão. Seu papel para isso foi fundamental. Qual foi o diferencial no processo de formação do time?
Sérgio Papellin - Quando eu cheguei aqui, a equipe estava praticamente montada, contratamos algumas poucas peças e carências existentes no grupo. Mas o grande diferencial do clube foi o presidente Luiz Eduardo Girão, uma pessoa agregadora, de discurso pacificador. É um cara fantástico! Trouxe a credibilidade de volta para o clube. Jogador aqui sabia que o mês tinha 30 dias. Passamos a honrar todos os compromissos com premiações. Ano passado prometemos aos atletas que para subir da série C para B daríamos R$ 1 milhão. Subimos no sábado, na quinta-feira já havíamos efetuado o pagamento. Uma mudança que fomos obrigados a fazer foi a troca de treinadores no decorrer da competição. Na época o Bonamigo, apesar de ser grande profissional, havia perdido o poder de motivar o grupo. Foi quando o Zago chegou e as coisas foram acontecendo e nós conseguimos acesso.
A Praça - Em 2018, o time consegue atrair um olhar da mídia nacional com a chegada de Rogério Ceni. Como é ser parceiro na construção desse projeto com o ex-goleiro que culminou no retorno à série A e o título nacional?
Sérgio Papellin - A chegada do Rogério ao Fortaleza se resumiu ao ditado: “Quando Deus quer não tem não tem quem tire”. A vinda dele foi uma casualidade motivada pelo acerto do Zago com o Juventude. Lembro que eu estava na sala com Marcelo (na época diretor de futebol) e o presidente. Sugeri que pudéssemos encontrar uma pessoa jovem que quisesse crescer com o Fortaleza, se possível um ex-jogador. Na mesma hora Marcelo lembrou: o nome é Rogério Ceni. Mas do jeito que o nome surgiu, descartamos pelo patamar financeiro que era bem acima do que se podia pagar. Aquilo ficou na minha cabeça, chamei o Bosco (preparador de goleiros do Fortaleza e ex-companheiro de Rogério na época de São Paulo), pedi o contato do Rogério, numa sexta-feira liguei, não me atendeu, mandei uma mensagem de WhatsApp, ele não me respondeu. E por coincidência no dia seguinte Rogério tinha um evento para marcar presença no SESI e chegaria a Fortaleza no sábado à noite. Quando enfim conseguimos falar com ele, nos reunimos na mesma noite que ele chegou e conversamos por 4 horas. Apresentamos nossa proposta e ele pediu para conhecer a estrutura do clube, caso não gostasse, não abriria negociação. Para nossa surpresa, ele gostou e a partir dali nós começamos a alinhar as ideias que terminou no acerto. A vinda dele foi um grande diferencial para a conquista do título nesse ano.
A Praça - O futebol cearense vive uma ascensão. Duas equipes na elite do nacional e outra campeã de uma divisão. O quão isso vai contribuir para o fortalecimento do esporte no estado e como fazer que esse momento seja longevo?
Sérgio Papellin - O Fortaleza está passando por transformação muito grande. Hoje o clube é totalmente profissional: dirigente, marketing, jurídico, setor comercial e administrativo são todos remunerados e você partir daí, você passa a cobrar. Temos orçamento para trabalhar em cima dele. Então você só trabalha dentro da sua meta para não se perder. Não podemos ser irresponsáveis em ter um milhão para gastar e no final gastar dois milhões, isso o futebol não comporta. Assim como não endividar um clube por vaidade como no passado. Muitos queriam acima de tudo o time campeão para dizer que a gestão dele foi vitoriosa independente do clube ficar endividado ou não. Hoje acompanho uma reforma no CT junto com arquiteto preparando as reformas orçadas em R$ 3 milhões. Precisamos acompanhar os grandes clubes e tudo parte de uma estruturação em todos os setores. Se o profissionalismo não existir, voltamos da série A para B rápido.
A Praça - Com Rogério e a comissão técnica confirmada para o ano que vem, como será pautado o planejamento e as decisões do clube em 2019?
Sérgio Papellin - Tudo que nós fazemos aqui é democrático. Escuto muito a comissão técnica que é o principal interessado seja na estrutura ou em contratações. Quatro ou cinco pessoas sempre discutem as decisões. É com essa linha de trabalho e fazendo a coisa andar que a chance de acertar é maior. Esperamos manter esse equilíbrio que a chance de sucesso é maior. Esperamos manter essa competência para montar uma grande equipe para série A. Esse é nosso objetivo maior.
A Praça - O Fortaleza possui a 5ª melhor média de público entre as equipes de todas as divisões. Como define a torcida tricolor?
Sérgio Papellin - Uma torcida que estava muito sofrida. Vivenciar 8 anos de série C não é fácil. Uma torcida fantástica que parece muito com a do Corinthians, pois no momento difícil, ela cresceu e entendeu que o time precisava dela. Uma nação que cobra e ajuda. Quando cheguei ao clube, tinha 8 mil sócios torcedores. Hoje nós estamos com 27 mil. É essa força que move o clube. É o sétimo ano que trabalho aqui no Fortaleza. Eu nunca vi um time tão equilibrado e com tanta competência como está sendo nesse momento.
A Praça - Você é iguatuense. A cidade ressurgiu no futebol estadual com uma equipe profissional. Há tempo para acompanhar o Azulão do Centro-Sul e manter vínculos afetivos com o município?
Sérgio Papellin - Eu sempre falo que tenho orgulho de ser de Iguatu. Para onde eu vou, afirmo que sou de Iguatu. Fiquei muito feliz pelo meu pai que reside ainda na cidade em poder de alguma maneira proporcionar essa alegria grande para ele. É um torcedor fanático do Fortaleza. Toda minha família é iguatuense. Sobre a Associação Desportiva Iguatu, eu sempre troco ideia com Bento (presidente do conselho deliberativo da ADI). É um amigo que eu fiz no futebol. Vibro muito com o Iguatu. Fizeram um belo trabalho de resgatar o futebol que estava abandonado. O trabalho rendeu credibilidade e um acesso à série A do estadual. Hoje qualquer jogador que vai para Iguatu, vai encontrar dirigentes que honram com os compromissos. É meu segundo time. Torço Fortaleza, pois é equipe que eu trabalho, mas estou sempre torcendo pro Iguatu se dar bem nas competições.
A Praça - Diante desse seu carinho com a cidade, poderemos no futuro contar com seu trabalho no futebol local?
Sérgio Papellin - Acredito ser difícil. Eu prefiro ajudar por fora, mas profissionalmente hoje eu diria ser muito difícil. Quando se chega ao nível profissional, o lado financeiro não comporta e o clube no atual momento não pode suprir as minhas. Mas sempre que precisam, eu ajudo. Todos sabem da minha força durante a Taça Fares Lopes, mas profissionalmente será difícil trabalhar no futebol iguatuense.